Ouvia gabar os beijos,
Dizer deles tanto bem,
Que me nasceram desejos
De provar alguns também.
Esta fruta não é rara,
Mas nem toda tem valor,
A melhor é muito cara
E a barata é sem sabor.
Colhi-os dos mais mimosos,
Provei três; mas, por meu mal,
Ao princípio saborosos,
Amargaram-me afinal.
Um colhi eu de uma bela
Que era Rosa, sem ser flor,
Se tinha espinhos como ela,
Dela também tinha a cor.
Vi-a a dormir e furtei-lhe
Um beijo, que a acordou,
Eu gostei, porém causei-lhe
Tal susto que desmaiou.
Logo que a vi sem sentidos,
Fugi sem outro lhe dar,
Pois beijos sem ser pedidos
Não são coisas p'ra brincar.
Porém deste beijo ainda
Pouco tive que dizer,
Pois a tal rosa... era linda
E tornou a reviver.
Outra vez, duma morena,
Olhos azuis, cor do céu,
Corpo 'sbelto, mão pequena,
Um beijo me apeteceu.
Pedi-lho, e então por bons modos,
Pedi-lho do coração.
Zombou dos meus rogos todos
E respondeu-me: que não.
Zombei, como ela zombava
E um beijo, à força, lhe dei;
Mas... bem dado ainda não estava
E c'um bofetão o paguei.
Custou-me caro o desejo,
Que mui caro ela o vendeu.
Pagar por tal preço um beijo!
Assim não os quero eu.
Este mais do que o primeiro,
Me deixou fraca impressão;
Quis provar inda um terceiro,
Para não jurar em vão.
Mas não quis fruta roubada,
Que mal com ela me dei;
Uma dama delicada
Ofereceu-ma... eu aceitei.
Ai que boa fruta era!
Estava mesmo o cobiçar.
Passar a vida quisera,
Tal fruta a saborear.
Mas no meio da colheita...
Da fruta o dono apareceu;
Zelosos olhos me deita:
Se zelava o que era seu!
Vendo o caso mal seguro
Eu logo lhe jurei
Restituir até com juro
A fruta que lhe tirei.
E caso não discordasse,
Não me parecia mal
Que a ele os juros pagasse,
E à senhora... o capital.
Esta sensata proposta
Em fúrias o arrebatou,
E, por única resposta,
P´ra luta se preparou...
Oiço ainda gabar os beijos,
Dizer deles muito bem;
Mas findaram-me os desejos,
Já sei o sabor que têm.
1859 - "Poesias" de Júlio Dinis
2 comentários:
Não acredito que já saibas o gosto de todos...
lol...
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