06 maio 2009

O Homem e o Mar


Homem livre, o oceano é um espelho fulgente
Que tu sempre hás-de amar. No seu dorso agitado,
Como em puro cristal, contemplas, retratado,
Teu íntimo sentir, teu coração ardente.

Gostas de te banhar na tua própria imagem.
Dás-lhe beijo até, e, às vezes, teus gemidos
Nem sentes, ao escutar os gritos doloridos,
As queixas que ele diz em mística linguagem.

Vós sois, ambos os dois, discretos tenebrosos;
Homem, ninguém sondou teus negros paroxismos,
Ó mar, ninguém conhece os teus fundos abismos;
Os segredos guardais, avaros, receosos!

E há séculos mil, séc'ulos inumeráveis,
Que os dois vos combateis n'uma luta selvagem,
De tal modo gostais n'uma luta selvagem,
Eternos lutador's ó irmãos implacáveis!

Poema de Charles Baudelaire, in "As Flores do Mal"
Tradução de Delfim Guimarães

Imagem: "The Ship" de Salvador Dali

2 comentários:

Lídia Borges disse...

Charles Baudelaire, sempre a considerar, no espaço da poesia.

Bonito este poema... Não conhecia!

Obrigada.

Lourdes Sabioni disse...

Lindo...lindo...lindo...Me fez viajar no tempo.
Bjs e um ótimo final de semana...